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22.10.05

 

Casa de Marias

Não falei muito ainda dos primeiros dias aqui em Campinas, e venho aqui tentar a redenção para com bons amigos: as Marias e o Antônio.

Eu conheço o Antônio do IBTA, onde ele trabalhou por alguns meses em São Paulo, depois ele saiu, depois voltou para coordenar o IBTA Campinas. Nas poucas vezes em que havia estado com eles antes, a filha Maria Augusta já me apelidou de Zé Louco. Quando, ainda em Blumenau, eu fiz as entrevistas para vir aqui para o interior de SP, eu comentei com a possibilidade com o Antônio, e pouco tempo depois eu tinha um convite para ficar hospedado lá na casa deles até arrumar uma moradia definitiva. Pronto, acabou o sossego deles.

À mesma época, já estava hospedado lá o Andi, um alemão calado (sim, isso é um pleonasmo, exceto quando bêbados), que é estudante de Assistência Social, com algum enfoque em Pedagogia, ou algo assim. O Andi esteve aqui por alguns meses fazendo um trabalho de levantamento histórico em uma favela, o Parque Oziel. Em algum momento, ele percebeu que as entrevistas que ele (e o seu colega Thomas) fizeram só contavam coisas boas da história da favela, quando ela já havia sido palco de muitos incidentes policiais.

Meu pai me emprestou o carro dele, que estava em São Paulo enquanto ele estava em Brasília, e peguei a Bandeirantes/Anhangüera com a "banheira". Era um domingo, e fomos todos jantar em uma pizzaria próxima. Abril em São Paulo, já um meio de outono, mas o interior de São Paulo é quente. O Andi leva uma jaqueta.

"Andi, what's that?"
"A jacket"
"Are you feeling.. cold??"
"Yes"
"You are not German, you can't feel cold here!"

De vez em quando, quebrando o silêncio da casa de filha única, Zé Louco aproximava-se sorrateiramente da Maria Augusta e (dedo indicador....) CÓCEGAS!!!! :-)

Na primeira manhã em que eu acordei lá, estamos à mesa do café, quando aparece a Maria Augusta, no seu roupão (de ir pra natação), com a touca de borracha na cabeça, e os óculos de nadar apertados nos olhos: "Olá, terráqueos". Quase morri de tanto rir.

Foram dias muito bons, o Antônio (Tonico para a família, Tonhão para os alunos do IBTA), é um dos caras mais razoáveis que eu conheço. Dificilmente algo abala a calma que ele tem, e quando o faz, ele olha com uma expressão entre cansada e tensa, e diz calmamente: "Eu estou muito nervoso". Okay, talvez eu esteja exagerando um pouco :-)

A Maria, de muitas divagações filosóficas, e um gosto por uma boa prosa, seja de manhã no café, ou à noite, sempre que a gente embalava em um assunto interessante, as horas voavam. Quando eu contei da Bibi dizendo "mulher faladeira", a associação foi imediata. Mas A mão de Maria na cozinha também é uma memória forte desses dias. Comida simples, dificilmente ela inventou pratos sofisticados enquanto eu estava lá, mas tudo sempre muito gostoso. No dia que ela fez o arroz-doce, eu botei a primeira colherada na boca, e espontaneamente, eu .... como posso dizer... "gemido de prazer" é algo que parece desvirtuar a narrativa, mas não encontro agora uma forma mais precisa de descrever o som que eu fiz. No próximo milisegundo, todos na mesa estão se matando de rir. Riam o quanto quiserem, aquele arroz-doce é o melhor do mundo!!

No escritório, há uma sineta, daquelas de portaria de hotel. (Por quê? Não sei rsrs). Maria Augusta estava no computador, enquanto fingia fazer o dever de casa. De repente, ela ouve:

DING!! DING!! DING!!! *****TABERNEIRO!!!!!!***** TRAGA-ME OUTRA MALDITA CERVEJA!!!!!!

Apenas para adicionar um pouco de surrealidade àquela noite que de outra forma seria... normal. :-)

O alemão, por fim, como sentia frio, não gostava de cerveja, chucrute, futebol e joelho-de-porco, foi primeiro chamado "Francês", e depois se tornou "O Belga". Herr Belgier!!! Wat is dat?

Eu planejava ficar um mês por lá, mas houve o episódio da casa-perfeita-que-não-é-mais no Villa Flora, e acabei gerando o caos lá por três meses. Aumentando a entropia.

A Sorte sorriu para mim quando colocou essas pessoas em meu caminho. Fui recebido na "Casa das Marias" como um filho, e eu me senti lá tão bem quanto com minha própria família. Eu não me sinto como quem tem uma dívida para com eles: eu me sinto como quem um porto abrigado com que pode contar. Espero que eu seja visto por eles também dessa forma.

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